*Vermelhices (Comentários Políticos) XXXIX*
Dizia Zita Seabra, esse paradigma da coerência, da assertividade e da lealdade, na sua página quinzenal na revista, também ela maravilhosa, Vidas (para quem não sabe, é a que sai aos domingos com o Correio da Manhã) – e que eu só leio porque o meu avô a compra e a minha mãe traz para casa - , que: 1 - a “coisa” era atacada por todos os candidatos; 2 - os candidatos que não tinham hipótese de chegar a Belém tinham a vida facilitada porque podiam extravasar no seu discurso as competências do PR; 3 – falar do deficit era extravasar as competências do PR; 4 – aceitava que a “coisa” só percebia de finanças e acrescentava que “ (…) no entanto, lamentavelmente, o país está cansado de promessas, de belos discursos sem conteúdo, e quer que se acabe com este pesadelo de vermos a situação nacional agravar-se até chegarmos à insustentabilidade onde nos encontramos presentemente.”; 5 – se concebia o país e os candidatos “como se tratasse de uma espécie de luta entre o verbo e a verba, em que se considera analfabeto quem sabe de verbas e culto quem domina o verbo!”; 6 – achava que não devia ser presidente quem não lesse todos os dias o Financial Times ou o Spectator uma vez por semana, ou quem não tivesse um computador portátil e, acrescentava, não o usasse nas viagens (e eu a achar que era perigoso ligar os computadores nos aviões). Isto dizia ela a propósito da cultura sob o seu ponto vista (“tem muito que se lhe diga”); 7 – tinha um genro que ia trabalhar todas as semanas para a Suécia e voltava para trabalhar em Portugal. Finalizava lembrando que se ia eleger um Presidente para os próximos cinco anos.
Demorei algum tempo a perceber que aquilo era um texto de apoio à “coisa”. Sobretudo devido a esta questão da importância não extravasar as competências trazendo para o debate as questões financeiras, coisa que os outros candidatos que não percebiam de finanças andavam a fazer, enquanto que o candidato que só percebia de finanças e tinha a cultura do Financial Times e do Google não o fazia. E para além de não falar de finanças, o candidato não falava de praticamente nada (e estava no seu direito pois então! Agora um candidato tem que andar para aí a dizer o que vai fazer se for eleito, não?) o que, por revanchismo, teria levado a este problema da cultura (ou da falta dela).
E assim arrumava ela o problema. Um candidato assim é o que se quer. Podia ser presidente daqui ou do Japão. Podia até mesmo, ser presidente de Portugal e viver na Jamaica. Tudo passa pela banda larga. Ler o Financial Times, O Spectator e ter um computador portátil é o que se espera. Nem precisava de ser português (que limitação tão estúpida essa!). Podia ser o Bush, porque não? Será que lê o Financial Times todos os dias? Em última análise até podia mesmo ser um robot (programado para tratar de finanças, mas que não seria usado porque não seria essa a sua competência). Constituição da República Portuguesa? Defesa da soberania nacional? Valorização da nossa riquíssima cultura, tão ameaçada pela “globalização”? Profundo conhecimento dos problemas dos que mais afligem os portugueses? Se vem no Google muito bem, se não, é coisa “muito datada”.
Tudo parecia bater certo. No entanto, só para experimentar este cibernético modelo de presidente, fui ver se no Google havia alguma coisa sobre Os Lusíadas. E não é que havia mesmo! Mais do que uma edição electrónica! Bom, fiquei então de pé atrás: se vem no Google como é que a “coisa” não sabe quantos cantos tem?
Acalmei-me. A leitura do Financial Times e do Spectator, mais o nervosismo de ligar e desligar computadores nas viagens de avião, não deve libertar tempo para essas coisas tão “datadas”.
Pensava eu que a “coisa” ia tomar posse por e-mail, que só quem estive ligado à net é que seria convidado a participar na cerimónia e que essa seria transmitida em vídeo-conferência, quando vejo passar pelo portão escancarado do “velhinho” palácio de Belém o eleito, de mão dada com toda a sua família. Tudo com um ar tão tradicional, tão “boas famílias” portuguesa, tão comovente que certamente terá provocado lágrimas nos olhos de muitas velhinhas que nunca viram o ecrã de um computador. Um espectáculo que me lembrou aqueles cartazes da Lição de Salazar, do “orgulhosamente sós”, “pobrezinhos mas honrados”, “respeitadores dos bons costumes”, e “a bem da nação”, claro está.
Ó Zita! Olha que a bota não bate com a perdigota!
Se a “coisa” só sabe de finanças e vai para a presidência; se durante a campanha andava reservado e agora faz espectáculo; se balbucia que vai cumprir a Constituição e chega à presidência da república com tanta pompa como se fosse ser coroado; é bom que, quem não abriu o olho se mexa antes que seja tarde.
A mim irrita-me ter que levar com as consequências da estupidez eleitoral dos outros. Pior ainda é ter que ouvir o povinho a queixar-se e depois a comprar a revista Caras para ver a tomada de posse desta “coisa”.
Depois não digam que não avisei.