Reflexões
No café discutia-se quem ia ganhar o concurso de dança. Era cedo e os empregados distraíam-se com a televisão. Olhando para eles ninguém pensaria que tinham tanto para dizer sobre danças de salão. Em pouco tempo mudaram de assunto; o futebol ganha sempre sobre qualquer conversa. No entanto, o cliente que entretanto se sentou não parecia estar a par das novidades. Fazia perguntas enquanto enrolava um cigarro e tomava lentamente uma cerveja. À falta de companhia olhava também de relance o concurso de dança que, entretanto, suscitara nova discussão: o local onde decorria. Ela, sentada um pouco mais à frente do que ele, lembrou-se que esse local já fora palco de muitos acontecimentos relevantes para a história do país. Com um pouco de sorte e empenho poderia vir ainda reconquistar essa importância e não se ficar pelos concursos de dança televisivos, imitações medíocres de entrega de Óscares, teatros musicais promovidos pelo statuos quo ou de touradas. Sim, aquele local poderia voltar a trazer ao rubro a vontade popular. Pensava ela nisto e pensava sobre a maneira de reverter o preconceito instalado sobre tudo o que fossem manifestações políticas de cariz revolucionário.
Ele pediu o jornal e perdeu-se na sua leitura.
Ela interrompeu os pensamentos e deteve-se na máquina das bolas surpresa. Depois reparou nele. Apreciou-o. Bebeu mais um gole de cerveja preta. “Não nos conhecemos e, provavelmente, nunca chegaremos a conhecer-nos. Como é esta vida de cidade! Cruzamo-nos vezes sem conta com certas pessoas. Já o tinha visto e morrerei sem falar com ele”.