*Vermelhices (Comentários Políticos) XVI*
1º de Maio na Horta
O tempo estava instável. Logo pela manhã os camaradas da União dos Sindicatos da Horta receavam o pior. Mas depois, felizmente, foram mais as abertas que as nuvens de chuva. A ira de São Pedro contra os sindicalistas ainda se fez sentir e o vento arrancou uma das tendas presas nos espaços do chão empedrado na praça frente à câmara municipal. Mas nada de grave. Tudo correu pelo melhor.
O cenário da festa dos trabalhadores lembrava um qualquer filme do neo-realismo italiano: a luta ao lado dos mais intricados rituais populares. A igreja como pano de fundo de uma sardinhada laboral. Copos de vinho e cerveja, quermesses, crianças a correr, velhos curiosos, imigrantes observadores, jovens que se estenderam pela relva, mulheres de traje tradicional, rapazes fardados e empunhado instrumentos de sopro muito bem polidos. Um homem contava que tinha estado em Lisboa 33 vezes, esteve hospedado na pensão flor e aí aprendeu a pagar com cartões multibanco. E pronunciava multibanco com um enorme deleite. Como se naquela palavra residisse toda a modernidade. Depois calou-se e lamentava nunca ter ido à ilha das Flores. Chegou entretanto a corrida do STAL, todos envergando uniformes amarelos. E talvez porque se tratassem de trabalhadores da autarquia, dois homens lembraram-se e referiram com revolta o oportunismo dos autarcas que, numa atitude eleitoralista e mesquinha, resolveram marcar uma outra sardinhada para o mesmo dia. "Em quatro anos não fizeram nada disso, e logo hoje haviam de fazer o mesmo. Sacanas!" afirmou um deles no fino sotaque do Faial.
O rancho cantava: "(...) trabalho, mato o meu corpo, não tenho nada de meu." Uma rapariga vermelha sentada num banco, também vermelho, reconhecia a música, comovia-se e repetia "não tenho nada de meu".
(ver também Vermelha)
3 comentários:
Grande descrição! Viva o 1º de Maio! Viva a Classe Trabalhadora!
Viva!
Parabéns! Este blog é mesmo muito fixe! Parabéns! E beijinhos.
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