segunda-feira, fevereiro 27, 2006

*Vermelhices (Comentários Políticos) XXXVII* Um dia no país real ou Quanto custa ser cidadão

ESPERAS E DESESPEROS

No momento em que escrevo estou sentada numa gelada cadeira de metal aguardando ser atendida na Segurança Social da Amadora. Hesito em ir à casa-de-banho. Estive lá há uma hora e meia atrás e o chão enlameado provocou-me um certo asco. Olho entretanto para o painel luminoso. Vai no 962. São 15h50 e estou aqui desde as 12h30. A minha senha é a 971. Sou uma sortuda. Beneficiei da senha de uma desistente, que esperava desde as 9h30 para ser atendida. Às 12h35 deixaram de as distribuir. Alguns dos meus companheiros de sala estão aqui desde as 9h00. Hoje é o meu dia de folga. Viva a folga! Gozo-a entre homens e mulheres ansiosos por alcançar a merecida reforma, gente de fraquíssimos rendimentos com crianças penduradas nas pernas e no pescoço, homens inválidos em consequência de acidentes de trabalho e desempregados de olhos tristes.

A raiva desta gente aqui plantada volta-se contra as funcionárias, entre elas duas estagiárias, que se desdobram na tentativa de satisfazer as expectativas de cada pessoa sentada à sua frente. Muitos desses esforços: os das funcionárias e o dos utentes serão em vão – A Segurança Social Portuguesa vive um valente aperto financeiro resultante da gula capitalista que tem o dom de tudo transformar em mercadorias e negócio. Assim, nos últimos anos, o conceito de solidariedade social perdeu o seu lugar na república e a garantia de sustento nas situações de desemprego, invalidez, doença, miséria e velhice desapareceu. Agora, quem tem algum dinheiro faz os seguros de vida ou de saúde num qualquer banco ou seguradora que os vende como banha da cobra. As repartições do estado passaram a ser uma espécie de reedição da Santa Casa da Misericórdia ou da Assistência aos Pobres. Não há solidariedade. Há caridade.

Caridade que raras vezes foi ou é gratuita. Antes era feita em troca do perdão divino e de um lugar no céu. Hoje serve para reduzir os impostos e acalmar a fúria das massas. Até quando?

O PAPEL ESTÁ CARO

De manhã passei na “loja do cidadão”. Uma instituição que só faz sentido em países como o nosso: atolados em burocracia. Três assuntos levaram-me a tal lugar: a renovação do BI, a necessidade do Registo Criminal e as informações da Segurança Social. Depois de duas horas na referida “loja” senti-me roubada. Tive a sensação que mais um par de horas e sairia despida. Pior do que a burocracia só mesmo o custo da burocracia.

Para renovar o Bilhete de Identidade (BI) paguei 7,05 euros pelos impressos e requerimentos mais 4,5 euros pelas fotografias. No total 11,55 euros! Em moeda antiga são 2310 escudos! Um documento obrigatório que atesta a nossa existência fica-nos em 2310 escudos. São cerca de 3% do salário mínimo nacional, o montante diário para quem aufere esse rendimento e que, diga-se de passagem, é a uma grande parte da população. Se não pagarmos este valor não podemos ter BI. Se não pagarmos este valor não somos cidadãos portugueses de plenos direitos. Não basta nascer em Portugal filhos de pais portugueses. É preciso ter pelo menos 7,05 euros!

Pelos meus cálculos, todos os dias renovam o BI cerca de 44 000 pessoas. A multiplicar pelos 7,05 euros são 310.200 euros que o Registo Civil arrecada por dia. Verba que não só paga os custos da própria emissão do BI, como os seus funcionários, custos de funcionamento e ainda, certamente, um chorudo salário a um qualquer director-geral que se passeia de lamborghini e janta em restaurantes de luxo.

Depois do assalto no Registo Civil fui novamente roubada no Registo Criminal.

Desde o ano 2000 que todos os anos preciso de fazer prova de que não sou criminosa. É o que custa ser professora contratada. De cada vez que sou colocada lá tenho que entregar uma cópia do Registo Criminal e um Atestado de Robustez Física. O pessoal de carreira pode cometer crimes e andar tuberculoso que ninguém lhes tira o emprego, os do sector privado, também. Contratado do público é que tem de dar provas que tem a ficha limpa e é saudável.

Tudo isto seria aceitável não fosse ter de pagar 3,5 euros pela merda do papel. 700 paus por um papel que diz “Nada Consta”. Um papel que saiu por uma impressora, 20 segundos depois de um sujeito digitar o meu nome. 700 paus! O ano passado paguei 2,5 euros. 500 escudos. Em apenas um ano o papelinho do “Nada Consta”, imprescindível para eu poder dar aulas, aumentou 1 euro, 200 escudos. No meu primeiro contrato, em 2000, o custo desse mesmo papel foi de 250 escudos. Em 6 anos a folha de papel aumentou quase 200%.

Como se não bastasse ainda terei de pagar 5 euros pelo contrato, fora a taxa moderadora da consulta que terei de fazer para que me seja passado o dito atestado. Isto se o médico não se lembrar de me mandar fazer um micro e umas análises se me pegar de ponta. Médico a que apenas recorro por causa destes malditos atestados.

ENTRE O SUBSÍDIO E O ESTÁGIO

Falta esclarecer o que fui fazer à Segurança Social.

Como qualquer pessoa em busca de emprego, não fico à espera de uma resposta para me candidatar a um lugar. De modo que, depois de ter finalizado um curso de quatro meses, e não tendo ainda sido chamada para o ensino, lancei-me em busca de emprego na minha área de formação, o design.

Andava eu nisto, quando fui chamada para fazer uma substituição de um mês, eventualmente mês e meio, dois. Lá tive que aceitar a colocação, mas sem outra alternativa, farta de me sentir usada pelo ministério de Educação que trata os professores contratados como fraldas descartáveis; usa-nos; caga-nos e deita-nos fora. Dois dias depois fui a uma entrevista e o director artístico da empresa diz-me que gostou muito do meu portfolio, que está interessado em que eu faça um estágio de 3 meses não remunerado. Eu, que quero deixar este sistema educativo ingrato mas que não tenho experiência no design e que sei, que se a não adquirir nos próximos tempos, bem posso dizer adeus à profissão, achei que a proposta de estágio não remunerado não era má. Acontece que não vivo sem comer. Acontece também que o estágio não ficaria à espera que eu terminasse o contrato.

Fui então à segurança social saber se perderia direito ao subsídio de desemprego se rescindisse o contrato para aceitar o estágio de três meses. Até nem me importaria de ficar sem o subsídio durante o período em que este durasse.

Parecia-me lógico que era mais vantajoso para o sistema que eu melhorasse as minhas habilitações e a minha experiência de modo a obter emprego mais facilmente do que ter emprego por um mês, perder a oportunidade do estágio, e voltar a viver do subsídio de desemprego.

No entanto, na Segurança Social, o funcionário, muito compreensivo, lá me dizia que as coisas eram assim, se rescindia contrato, mesmo que fosse para aceitar outra oferta de emprego, para um contrato mais extenso, perdia o direito ao subsídio desemprego quando voltasse a ficar desempregada. À socapa sugeriu-me que metesse baixa na escola para ir fazer o estágio.

A resposta não me satisfez e lá me fui enfiar na Segurança Social da Amadora onde, depois de horas, reiteraram o que disse o primeiro funcionário.

Neste país, a legislação de controlo dos desempregados cada vez mais se assemelha à prisão domiciliária e esquece que a precariedade é o prato do dia. Não nos é permitido desistir de um emprego em favor de outro mais vantajoso. Se rescindimos um contrato de dois meses para aceitarmos um de seis, ao fim dos seis meses perdemos o direito ao subsídio de desemprego.

E assim fiquei eu; indecisa entre abdicar do subsídio de desemprego em favor de um estágio que me pode dar a oportunidade de enveredar pelo design ou manter-me com o subsídio e perder o estágio.

O que escolheriam vocês? Poder comer agora e possivelmente passar fome no futuro ou passar fome agora e eventualmente saciar a fome no futuro?

2 comentários:

Anónimo disse...

Cara Rapariga Vermelha, não sei muito bem o que te aconselhar. Qualquer coisa que te diga estarei sempre a falar de barriga cheia pois tenho um emprego mais estável do que muitos outros. Mas, feita a ressalva, inclinar-me-ia para que fosses atrás do teu imenso talento, não esquecendo as consequências e possíveis desilusões que, esperemos que não, poderás ter. Poderão despedir-te após o estágio, ou dar-te emprego, não sabemos. Podes fazer uma coisa que gostes ou descobrir que afinal é um trabalho aborrecido.
Mas, pesando os prós e os contras, acho que deverias arriscar.
Deixa-te levar pelo teu talento!

Bjs

Anónimo disse...

Espero que tenha escolhido o estágio :-)
A Segurança social do nosso país é caridosa e pouco dignificante.
A minha experiência pessoal é que após horas de espera parecidas com as que descreveu cometi o erro de comunicar por e-mail que estaria ausente do país 5 dias (como era meu dever como beneficiária), e descobri que por e-mail só se pode comunicar a saída (para suspenderem o subsidio) e para se comunicar o regresso (o reínicio das prestações) tem de ser em presença. Uma estranha regra que não está escrita em lado nenhum e ninguém pode adivinhar. Como não o fiz fiquei sem subsídio. Já lá vão 3 meses. Vou amanhã a uma entrevista para um estágio de 3 meses não remunerado, para ganhar experiência na área em que desejo trabalhar e tentar encontrar o meu lugar ao sol longe da exploração e da mediocridade. Boa sorte!!!