*Vermelhices (Comentários Políticos) XLIV*
Hoje passei todo o dia escutar no meu cérebro, para além da canção do Outono que tive de ensinar aos putos ("A gotinha cai na uva, coitadinho do baguinho, quem lhe empresta o guarda-chuva"), a citação preferida de Marx: "Sou homen, e nada do que é humano me é estranho".
Acordei, uma vez mais angustiada para a consciência da triste realidade, e zás; aparece a frase.
Era adequada, sim. As sensações de falhanço, de impotência, de incompetência, de apatia, de inveja, de vergonha, etc. são humanas e não me são estranhas.
Depois das aulas ouvi de novo a frase enquanto me assaltavam dúvidas sobre se tinha sido muito banana ou demasiado severa, se tinha perfil para aquilo, se devia levar as aulas demasiado a sério quando o ministério goza com o meu trabalho... Dúvidas e incertezas também são comuns nos humanos.
Quando acendo a tv para ver o telejornal e aparece-me a figurinha do ministro das Finanças a apresentar o Orçamento de Estado, afirmando que se vão popupar 5,1% em despesas de pessoal, que aumentam as receitas na saúde (graças ao aumento das taxas), mas que os utentes vão ficar melhor servidos, que o ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior é o único que tem direito a investimento,... Pimba! A frase! Raiva e revolta. Principalmente por sentir que nos fazem de parvos! melhores servidos na saúde?! com redução de pessoal, aumento das taxas, entrega da gestão a privados? devem estar a brincar! Investimento no MCTES? As universidades a meterem dó, os estudantes a pagarem propinas exorbitantes, os professores das universidades a serem dispensados: pensam que somos todos ignorantes? Combate ao déficit? e o equilíbrio da balança comercial? e o investimento na produção e na melhoria do poder de compra?
Sou uma trabalhadora precária, não posso adoecer, não posso tratar de assuntos inadiáveis porque não tenho direito a baixas, pagam-me à hora para ser professora, não tenho subsídio de férias ou de natal, tenho de comprar o material de trabalho, tenho contas para pagar. Faço parte da redução em despesas de pessoal. Perdi sonhos. Até a mais modesta das ambições vai dando lugar a uma negra luta pela sobrevivência. Aflijo-me por mim e pelo cenário cada vez mais triste que vejo em volta. Temo que o irremediável chegue a todos os cantos da minha vida e do meu país.
Que espécie de seres são estes governantes tão cegos ao mundo que deviam governar? Não sentem vergonha ao levantar-se da cama? não se sentem incompetentes com a merda que fazem? não duvidam do seu papel? não conhecem a humildade? Desespero, revolta, humilhação, tenho a certeza que não.
Um dia, espero, terão medo.
Eu, confesso, tenho-lhes ódio. É um sentimento que infelizmento vou também conhecendo cada vez melhor. Sou humana, e nada do que é humano me é estranho.
1 comentário:
O teu post deixou-me deprimida... porque ao lê-lo, as tuas palavras ecoavam no meu cérebro como uma bomba. A realidade da nossa vida é esta, estamos nas mãos de uns crápulas que para sanguinários, lhes falta pouco. Como te compreendo! E como entendo esse sentimento de ódio que te aumenta a cada dia que passa! Por todo o lado se vêem injustiças, generalizadas pelas políticas fachistas deste governo ou dirigidas em casos pontuais com persiguições políticas e pessoais a que não temos como escapar, porque nos recusamos a vestir a pétala da flor rosa. Levantar da cama pela manhã chega a ser um tormento, olhamos para trás e recordamos o que perdemos, miramos o presente e sentimos revolta e frustração pelo que vivemos e não conseguimos alterar, pensamos no futuro e sentimos ódio e raiva por saber que é uma incógnita dolorosa, porque outros o têm indigamente nas mãos, destruindo-o irremediavelmente, sem nosso consentimento.
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