O sentir da Greve Geral
A dada altura, na Sotancro, tive necessidade de partilhar com os restantes camaradas o que me ia na alma. Acho que não me levaram muito a sério, provavelmente acharam que era do cansaço. Disse-lhes que me sentia emocionada, que naqueles momentos em que vivíamos verdadeiramente a luta de classes, crua, desmascarada, a pulsar e a doer, é que conhecíamos plenamente o sentido da palavra camarada. Disse-lhes que quando me achava assim, acompanhada nos mesmos objectivos, na mesma acção, enfrentando os mesmos obstáculos e dificuldades, considerava-me inabalável, indestrutível. Enfim, disse isto, não exactamente com estas palavras, mas foi isto. Não me ligaram muito. Ainda bem, sabe-se lá no que ia dar este rasgo poético: numa cantoria, numa choradeira, num rol de declarações político-sentimentais, sei lá…
Horas antes, na Vimeca senti uma outra coisa, vergonha, pena, raiva. Os capatazes da empresa, cães de fila, vieram à porta coagir os motoristas, contrariando assim a acção dos piquetes. Saiu um primeiro autocarro, antes de tempo, e que me apanhou de surpresa. Quase me atropelou. Quando vinha a sair o segundo já com um terceiro e um quarto atrás, pusemo-nos em frente ao veículo, que parou. Um camarada dirigiu-se ao motorista e pediu-lhe que abrisse a janela. Falou com ele, tentou fazê-lo ver que era necessário parar, que era importante parar, explicou-lhe as razões da greve, mostrou-lhe que a única saída para o que o país está a viver era a luta e que nesta luta cada um tem de a tomar como sua. Mas o esgar do capataz, sempre presente, sempre à escuta, soltando frases contra os piquetes, referindo “o direito a não fazer greve”, como quem diz o “direito a ser explorado”, o “direito a ser enganado”, o “direito a sujeitar-se ao aumento do custo de vida e à precariedade”, punham-no nervoso. Fumava incessantemente. Dizia apenas que partiria quando saíssemos dali, que foi como quem diz, ficaria enquanto nos mantivéssemos ali. A administração mandou vir a GNR, claro! Veio a GNR. Muita discussão. Mas também naqueles agentes se via que “apenas cumpriam ordens” que se pudessem não estariam ali, provavelmente alguns viriam para o nosso lado. Chegam entretanto mais geenérres, e depois mais ainda. O administrador, decide trocar o motorista, o novo motorista, mostrando-se fiel ao dono, arranca sobre os piquetes e é obrigado a parar porque ninguém saiu da frente. Gera-se uma enorme confusão, discussão. O Sargento diz que vai identificar toda a gente, uma camarada responde dizendo que ele deve é identificar o trabalhador que substituiu o outro, explica que isso vai contra a lei da greve. O sargento, é claro, serve os interesses da administração. Está mais preocupado em travar os piquetes do que no cumprimento da lei da Greve. Vou buscar a lei ao carro e quando regresso está tudo a desmobilizar. Sai o autocarro e saem os seguintes. Por muito tempo vai ecoar-lhes nos ouvidos a palavra traidores (que é das piores coisas que se pode ouvir e das piores que se pode ser).
Por outro lado, nos estaleiros da câmara, senti-me em família. Risos, conversas, confiança.
De manhã, andando pela cidade, deparei-me com sítios abertos e outros tantos fechados, mais gente pelas ruas e um respirar de luta.
À tarde pus-me a par do que se passava noutros sítios: renovei a confiança ao saber que um callcenter da TMN teve 100% de adesão à greve, que 1000 escolas estiveram encerradas, hospitais, tribunais, loja do cidadão, repositores de supermercado (!), que em Évora até panificadoras pararam (horas antes a R disse-me que a greve ia ser mais sentida quando as padarias fizessem greve).
À noite a voz do Governo (com os seus números ridículos a admitir, como li num blog, que não é árbitro de nada, que está com o patronato, veste a camisola da direita e está do lado da desvalorização do trabalho), procurando mascarar o efeito e os resultados da greve. Não esperava nada de diferente: fizeram de tudo para a esconder antes, fazem tudo para a esconder depois.
Já no dia 31; ver nas imagens dos piquetes o meu velho e querido amigo João Lopes ou o Bruno no seu papel de pivot nos vídeos do Partido, fez-me pensar que devia partilhar convosco o que partilhei em frente à Sotancro e concluir que não era do cansaço.
3 comentários:
na sotancro,foi com grande contentamento que senti o vosso apoio e camaradagem,mas de manhã tambem senti raiva porque vi muita gente entrar e alguns são nossos "camaradas" traidores, será mais 1 dia que conserteza lhes vou recordar, quando tambem precisarem do nosso apoio laboral,sindical,e partidário,obrigada camarada,e o turno das 16h da sotancro fomos só 7, das 08h 3
Realmente a camaradagem tem um outro significado nestas lutas. A Valorsul fez greve no dia 29 também. Ás 22h do dia 28 fomos para o aterro sanitário da Valorsul num planalto do concelho de Vila Franca, o Mato da Cruz. Um vento gélido, polar. Um frio muito desconfortável. Estes momentos são fascinantes. Vamos para a porta de uma empresa que não conhecemos, dar apoio a delegados ou dirigentes sindicais que não conhecemos, e ali somos camaradas. Partilhamos a mesma luta, aprendemos um pouco da realidade da empresa, conversamos, ouvimos e partimos para outra empresa.
Estive na também na Ogma, na Cimianto, na Centralcer.
Adesões boas e más. É bom quando os trabalhadores têm consciência da sua força, e mau quando não se apercebem da força que têm e que estão a liquidar os seus direitos.
Mas a luta é isto. Altos e baixos.
O que é preciso é continuar a lutar.
Obrigado pelo comentário.
Abraço grande
curioso... agora que há reais possibilidades de perdas de emprego na sotancro, andam todos caladinhos que nem ratos. como sempre, greves gerais na sotancro em momentos desnecessários e agora nem uma ponta indignação. na saída da reunião entre nova administração e comissão de trabalhadores só existiam sorrisos e conversas sobre futebol... é tudo sempre a mesma coisa... os grandes fazem as jogadas todas e vcs só no fim do toque rectal é que o sentem...
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