Viagem a Euskal Herria 3
Gasteiz - as primeiras horas (continuação)
Chegámos rapidamente a casa de A. Na zona do “Casco Viejo”,” Alde Zaharra” ou “Almendra Medieval”. Imediatamente duas gatinhas procederam à operação de identificação das duas estrangeiras. Uma, a mãe, branca, mais calma e desconfiada, outra, a filha, de pelo comprido, curiosa e irrequieta. Não decorei o nome da segunda, a primeira chamava-se Blanqui. Ambas dedicaram-se o resto da noite a morder os pés da M. e a aninharam-se entre as minhas pernas.
Dormimos cerca de 4 horas e de manhã fomos com a A. encontrarmo-nos com o M. e outros companheiros e companheiras. Assim conhecemos a Calle Cuchilleria (de que o B. já nos tinha referido) e, mais em pormenor, o Erdizka (um bar, café, ponto de encontro e restaurante) que constantemente me fazia lembrar a “Gradisca” de Amarcord, no entanto esclareceram-me mais tarde que o nome nada tinha de tão “poético”, que significava “meio” e que assim se chamava porque estava no meio da rua.
Foi bom rever o M. Parecia muito mais descontraído e feliz do que nas vezes que o vi em Portugal. Parecia-me até maior, mais robusto e com um sorriso mais aberto.
Do Erdiska passámos à porta do lado, à sede da Askapena, a primeira impressão que tive é foi a de uma livraria alternativa. Havia livros à venda por todo o lado. Rapidamente mudei de opinião quando começámos, os que estávamos e os que entretanto chegaram, a levar caixas e caixas de comida de um pequeno armazém na sede para o porta-bagagens de um carro. Eram os mantimentos para os próximos dias.
Houve ali um momento em que eu e a M. ficámos desorientadas. Os bascos desataram a discutir em euskera, enfiámo-nos todos em dois carros e fomos…
Afinal, duas ou três ruas abaixo estacionámos e começámos a descarregar. Seria ali o nosso poiso nos próximos dias. Tratava-se de uma espécie de bar privado. Pelo que pude apurar é costume entre os bascos, juntarem grupos de amigos, quotizarem-se e alugarem espaços de convívio comuns.
Depois das descargas alguns dos rapazes desapareceram. Ficaram M, A, A2 (que conhecemos um pouco antes no Erdizka) e nós. O costume, também em Euskal Herria: as mulheres e honrosas excepções masculinas cozinham. O M e a A ficaram a confeccionar o jantar: Bacalhau. O M observou que essa era uma grande semelhança entre os bascos e os portugueses. No tempo que sobrava até partirmos para Gernika fomos dar uma volta pelo “Casco Viejo”. A2 insistiu em ser nossa guia. Eu e a M não queríamos distrair os nossos anfitriões e sublinhámos que poderíamos ir sozinhas. Não sei se por orgulho local ou se por falta de confiança no nosso sentido de orientação (apesar das muitas vezes em que referi ter uma bússola no cérebro) a vontade basca venceu e lá fomos acompanhadas pela simpática e preciosa guia A2.
À medida que íamos andando pelas ruas ela ia-nos explicando os problemas que existiam com a câmara; o clássico: o conluio do poder local com alguns interesses imobiliários e outros sectores, o favorecimento de projectos megalómanos, o desrespeito pelas pessoas, património e instituições populares. Mostrou-nos, a título de exemplo; uma desenquadrada passadeira rolante que subia duas ruas (de ligeira inclinação) para ligar dois museus e apontou-nos outras ruas habitadas por idosos e bastante íngremes, onde as referidas passadeiras faziam mais falta. Vimos também uma micro-manifestação de trabalhadores do “Ayuntamiento”, uma coisa estranha: eram 6 ou 7 pessoas atrás de um pano e aos gritos em frente à Câmara. Passámos também por alguns pontos de interesse turístico. Observámos com estranheza dois blocos enormes de pedra que, segundo a nossa cicerone, serviam para prender touros (pelo menos foi o que entendi). Mais adiante vimos uma estátua em bronze de um sujeito muito cómico, cujo nome não me lembro apesar de A2 o ter referido várias vezes. Essa figura é um tipo de Gasteiz que, todos os anos desce “dos céus” com um chapéu de chuva: uma espécie de Mary Poppins homem, artificial e basca. Passámos também por duas casas ocupadas e visitámos uma (ver foto). Essa que visitámos está ocupada há 19 anos. Funciona numa espécie de auto-gestão permanente, com um conselho de todos os participantes e organizam eventos vários para além da gestão corrente. Em Euskal Herria há muitas casas ocupadas, com mais ou menos longevidade. A2 espantou-se quando lhe disse que em Portugal se contam pelos dedos de uma mão (isto, claro, se não nos referirmos às casas ocupadas para habitação durante o PREC).
Já na volta, e antes de entrarmos no nosso quartel-general, enfiámo-nos numa espécie de claustro adjacente à Catedral gótica de Santa Maria (ver foto), onde decorrem trabalhos de arqueologia. As escavações revelaram vestígios do período paleo-cristão e das invasões bárbaras. Depois de muito teorizarmos acerca das taras dos arqueólogos e de não chegarmos a conclusão nenhuma demos por concluído o passeio.
1 comentário:
Alguns acrescentos:
1. A m. tem medo de gatos.
2. os gatos magoavam mesmo.
3. obvio que o m. parecesse maior, e não é por em Portugal não lhe darmos comida. É mesmo porque lá estão SEMPRE a comer. E porque cá ele é vegetariano e isso.
4. a referir que da ‘livraria alternativa’ saíram caixas e caixas de morcelas (nunca tinha visto tanta morcela’
5. a referir que o ‘bar privado’ tinha umas placas a dizer ‘falta’ e não sei que mais e autocolante do 25 de Abril!
6. outra semelhança apontada entre portugueses e bascos (para além do bacalhau, que nunca comi, em Portugal, em tanta refeição seguida): o ódio aos espanhóis (espanholistas, para soar melhor.)
7. a ‘manifestação’ fez-me ver que o nosso movimento sindical está realmente muito mais forte que o deles…
8. Mary Poppins artificial e basca… e uma que não seja artificial, ah?
9. São quase 4 da manhã, já matei o Aquiles e o Ulisses vive, agora, uma velhice feliz. Espero para ler e corrigir gralhas de uma teoria sobre a tragicidade de S.Bernardo do Graciliano Ramos. Acrescentar coisas ao teu post foi um prazer.
Viva Euskal Herria, livre e independente!
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