sábado, abril 09, 2005

AZULICES (Curiosidades açoreanas) XV

Caldeira do Faial Posted by Hello


Estás a ver Johnny F.? Assim na foto não dá para perceber bem, mas é como te digo: uma extraordinária paisagem. Mais de 400 metros de profundidade e lá em baixo um diâmetro de mais de 1 km. Os homens nesta imagem seriam pontos pequeninos, quase imperceptíveis.

Kant distingue, quando fala na crítica sobre o juízo estético, o belo do sublime. O primeiro, diz, é a harmonia de todas as faculdades (a imaginação, a razão e o juízo) e o segundo o conflito entre a imaginação e a razão que origina sentimentos mistos de arrebatamento, extâse e impotência.

Na natureza ainda encontramos, felizmente, muitas vezes paisagens belas. Sublimes, só algumas. Esta é uma delas!

Adenda:
Quando, ao fim dos 20-25 minutos de viagem, chegamos ao ponto mais alto da ilha, o frio e a humidade invadem-nos o corpo. É uma sensação estranha, mas agradável (sempre achei que o frio ou o calor inesperados eram sensações agradáveis). Olhamos em volta e, geralmente, vemos um tapete de nuvens e a paisagem em redor vai ficando difusa à medida que aumenta a distância. Os verdes adquirem diversos valores. Se o céu estiver limpo, levamos uma bofetada de mar, imenso mar, em quase todo o campo de visão. Não é como no continente, em que temos a clara noção de estarmos em cima de uma linha e em que atrás de dela tudo é terra e ao nosso lado tudo é terra. Não. Aqui, olhamos para a frente e para os lados e vemos mar. E para além do mar vemos a ilha que se espalha aos nossos pés, num suave declive de verde. Mas esta ilha não está só, à nossa frente ergue-se, brutal, negro, bizarro, o pico. Uma vista a que não posso fugir (vejo-a todo o tempo: quando acordo a primeira coisa que faço é olhar para o pico, quando vou para a escola vejo o pico, ao descer as escadas da escola vejo o pico, quando vou às compras, quando vou beber um copo, quando vou à praia, quando vou até à marina,.... sempre). E quando pensamos que, ao chegar ao topo do Faial, vamos olhar para o pico de frente, enganamo-nos; o pico parece ainda maior, mais imponente - pergunto-me como seriam as pessoas do Faial se não tivessem o pico em frente. Seria como um nevoeiro constante. O sentimento da insularidade seria muito maior (a sensação de estar só no oceano) -. Nesses dias limpos ainda vejo o dragão deitado ao lado do pico, a ilha de S. Jorge. E mais além, bastante mais além, a graciosa, a ilha branca (que parece ser mesmo graciosa, como se tratasse de uma irmã mais nova).
Mas isto ainda não é o sublime.
Atrás de nós apercebemo-nos de um túnel. Um túnel escuro, estreito, de paredes molhadas. Atravessamo-lo. Esta travessia rápida é, sem darmos conta, uma viagem ao centro da terra. Depois da sensação de estar no topo do mundo, levantamos os olhos e perdemos a respiração. Vergamo-nos perante o umbigo da terra. E deve ser esta imensa sensação de respeito pela terra que se apodera de nós que nos faz murmurar. Ninguém fala alto. Todos se calam, alguns sussuram. O silêncio ocupa todo o espaço vazio. Um silêncio que nos enche os ouvidos. Como se fosse a mais bela das melodias. Entrecortado, de vez em quando, pelo barulho dos pássaros; os filhos daquela barriga, os únicos com autorização para se fazerem notar. Queremo-nos lançar naquela grande bacia, fazer parte dela, mas envergonhamo-nos de tal desejo; aquele lugar deve permanecer intocado, em sinal de respeito pela intimidade do nosso planeta. Talvez um dia mereçamos a confiança.
Dali saímos apaziguados.
E é de notar, Johnny F., que esse apaziguamento não nasce da sensação de tomar tudo. Pelo contrário, é fruto da consciência de que há um universo por descobrir dentro de cada coisa. E quando pensamos que o que é grande e majestoso está sempre do lado de fora (seja o que for o lado de fora) estamos redondamente enganados. A caldeira do Faial mostra que há mundos gigantes no lado de dentro (seja o que for o lado de dentro).
Depois de nos sentirmos pequenos, incomodados, envergonhados, sentimo-nos apaziguados. julgo que é porque escutamos um grito da vida: Fazes parte de um todo!

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