ARTE DE TRANSFORMAR VI
---Dedicado ao João Lopes (o grande admirador das minhas palestras sobre arte e estética. eheheheh)---
Ford Madox Brown - The Last of England. ----
Também já vi com o nome The Last glance of England. Este pintor fez parte da chamada Confraria Pré-Rafaelita; um grupo de artistas do romantismo inglês do primeiro e segundo quartel do século XIX. Imbuídos no espírito do revivalismo medieval, estes amiguitos advogavam que a arte do período do primeiro renascimento e até Rafael (daí o nome da confraria) era a estética perfeita. E daí que as suas pinturas aludam muito aos temas e ao imaginário do renascimento italiano.
Estes sujeitos eram tão alucinados que achavam que o ideal de vida era mesmo o do medievalismo. E até viviam em comunidade e despojados de luxos como se fizessem parte de uma ordem mendicante.
Estavam associados aos pensadores do socialismo utópico destes anos, sobretudo a William Morris (o pai do chamado socialismo das guildas), o maior chanfrado deles todos (de quem espero vir a falar num próximo post).
As suas posições políticas explicam-se facilmente: estes burguesotes, como aliás os primeiros socialistas de um modo geral, achavam que a intensa exploração dos trabalhadores nos primeiros tempos da industrialização se devia ao desenvolvimento tecnológico e não às relações de produção. Por isso defendiam o retorno à época pré-industrial e ao fabrico artesanal. E também por isso tinham a pancada pela Idade Média.
Mas reacções destas eram, e por vezes ainda são, mato. Salvo erro, foi o Zola, o grande Zola, que escreveu um manifesto contra a construção da Torre Eifell, uma inédita construção em ferro que assinalava, para toda Paris e o mundo verem que a indústria tinha chegado para ficar. Também uns jovens tontos italianos, estudantes de design, nos anos 60 do século XX, acharam que fazer design industrial era venderem-se ao capitalismo. Hoje estão podres de ricos e fazem objectos fabricados em pequenas séries que só capitalistas exploradores é que podem comprar. Enfim!!
Voltemos ao Madox Brown:
Este pintor, embora fizesse parte dos pré-rafaelitas, conseguiu variar a sua temática e pintar assuntos mais próximos do realismo frânces (um movimento que teve o seu apogeu na altura da revolução de 1848). Li algures que chegou a conhecer Marx, e que o admirava. Esta pintura, uma das minhas preferidas (talvez mesmo a minha preferida do século XIX), retrata um dos maiores dramas da Inglaterra destes anos; êxodo para os EUA. A exploração na Inglaterra industrializada era tremenda. A miséria assustadora. Os EUA eram a "terra de todas as oportunidades", onde todos podiam ter um pedaço de terra, achar ouro, enriquecer (acho que vem destes tempos o culto do "self made man", da ilusão da ascenção social por conta própria, o individualismo). Então, navios e navios carregados de gente que perdeu a esperança na sua terra, lançavam-se no desconhecido.
Este quadro mostra mesmo isso. Olho para ele e sinto o frio. Um frio por fora e por dentro. Do despojamento. E ao mesmo tempo, paradoxalmente, o conforto de não ir só (o amor é um porto de abrigo, li recentemente). Os olhos do casal: ele reflecte, volta-se para dentro. Ela tem um olhar vazio, já não pensa, apenas anseia o que virá.
E o promenor que eu mais gosto; a pequena mãozita que ela agarra. Um bebé que quando crescer já não se sentirá inglês. Que não conhecerá a terra de origem, a qual será para ele tão estranha como aquela para qual ruma agora com os pais.
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