terça-feira, janeiro 11, 2005

ARTE DE TRANSFORMAR XVII - Rodin III


A Bela Heulimiere Posted by Hello

A beleza para além do ideal a que me referia no texto anterior está descrita na citação que se segue. Foi extraída de um livro, “Um Estranho numa Terra Estranha”, de Robert Heinlein, que na década de sessenta obteve bastante sucesso e foi um símbolo de geração. Na história existe uma personagem, Jubal, que colecciona originais e réplicas das obras de Rodin. No trecho Jubal descreve a Ben a Bela Heulimiére:

“ (…)
- Mais uma opinião. Que é que pensas deste bronze?
Anne olhou para obra-prima de Rodin e disse lentamente:
- Quando a vi pela primeira vez, pensei que era horrível. Mas cheguei à conclusão de que ela pode ser a coisa mais bela que vi em toda a minha vida.
(…)
- Escuta-me, Ben. Qualquer pessoa pode ver uma rapariga bonita. Um artista pode olhar para uma rapariga bonita e ver a mulher em que ela se transformará. Um artista melhor pode olhar para uma mulher velha e ver a bonita rapariga que ela era. Um grande artista pode olhar para uma mulher velha, retratá-la exactamente como ela é… e forçar o espectador a ver a bonita rapariga que ela era… Mais do que isso, ele pode fazer com que qualquer pessoa com a sensibilidade de um armadilho veja que essa bela e jovem rapariga está ainda viva, prisioneira dentro do seu corpo arruinado. Pode fazer com que tu sintas a silenciosa e infinita tragédia de nunca ter existido uma rapariga que tivesse envelhecido para além dos seus dezoito anos… independentemente do que lhe fizeram as horas impiedosas. Olha para ela, Ben.”

Na antiga Grécia (período helenístico) construíam-se colunas com formas masculinas (atlantes) e femininas (cariátides). A partir do renascimento a construção deste tipo de colunas foi retomada. Rodin esculpiu uma Cariátide Caída Debaixo da Sua Pedra. No referido livro encontramos esta explicação de Jubal:

“ (…)
- E esta? Vejo que é uma rapariga. Mas porquê esborrachá-la para que ela se pareça um pretzel?
Jubal olhou para a réplica da Cariátide Caída Debaixo da Sua Pedra.
- Não espero que aprecies a quantidade de coisas que fazem desta figura muito mais que um pretzel; mas podes apreciar o que Rodin queria dizer com ela. Que é que as pessoas sentem quando olham para um crucifixo?
- Sabes que eu não vou à igreja.
- Apesar disso, deves saber que as representações da Crucificação são geralmente horríveis… e as que estão nas igrejas são as piores… sangue que parece ketchup e aquele ex-carpinteiro retratado como se fosse um homossexual… o que ele certamente não era. Era um homem robusto, saudável e musculoso. Mas uma retratação pobre é tão eficaz para a maior parte das pessoas como uma boa. Eles não vêem defeitos; vêem um símbolo que inspira as suas mais profundas emoções; recorda-lhes a Agonia e o Sacrifício de Deus.
- Jubal, pensava que não eras cristão.
- Isso faz com que eu seja cego às emoções? (…) A arte comque tal símbolo é feito é irrelevante. Aqui temos outro símbolo emocional, mas feito com arte exímia. Bem, durante três milhares de anos, os arquitectos desenharam edifícios com colunas com forma de mulher. Finalmente, Rodin chamou a atenção para o facto de isso ser um trabalho demasiado pesado para uma rapariga. Ele não disse: “Olhem, seus brutamontes, se têm de fazer isto, façam-no com uma forte figura de macho.” Não, ele mostrou-o. Esta pobre cariátide caiu sob a sua carga. Ela é uma boa rapariga: olhou para o seu rosto. Sério, infeliz pelo seu falhanço, não censurando ninguém, nem sequer os deuses… continuando a tentar erguer a sua carga, depois de ter sido esmagado por ela.
Mas ela é mais do que boa arte denunciando má arte; ela é um símbolo para todas as mulheres que alguma vez suportaram uma carga demasiado pesada. Mas não só mulheres: este símbolo significa todo o homem e toda a mulher que suaram a vida inteira com uma fortaleza de espírito resignada, até caírem debaixo dos seus fardos. Ela é coragem, Bem, e vitória.
- Vitória?
- Vitória na derrota, não há outra maior. Ela não desistiu, Ben; continua a tentar levantar a sua pedra depois de essa mesma pedra a ter esmagado. Ela é um pai que trabalha para trazer para casa mais um salário enquanto o cancro lhe consome as entranhas. Ela é uma menina de doze anos tentando ser mãe dos seus irmãos porque a mamã foi para o céu. Ela é uma operadora de um quadro de distribuição agarrada ao seu posto enquanto o fumo a sufoca e o fogo lhe corta a saída. Ela é todos os heróis não cantados que não conseguiram os seus feitos, mas que nunca desistem.”


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