Parabéns Luís
O Luís é um gajo que conheci quando tinha uns doze anos. Conheci-o na Festa do Avante! (no último ano da Ajuda), ele devia ter uns desasseis, era colega do Soviético, um amigo do bairro (que, uns anos antes, me partiu a cana do nariz com uma arma feita de pau. Todos os meus companheiros estavam prisioneiros da perigosa dupla de irmãos: o Soviético e o Chinês; eu preparei uma emboscada e na altura certa sai de trás de um arbusto gritando: mãos ao ar, larguem as armas, nada de truques! O Soviético, que sempre teve jeito para o teatro, achou que eu o estava a matar e encenou uma morte digna de um soldado; atirou-se para o chão e a arma foi pelo ar de encontro ao meu nariz). Chamavam-no Nazi porque falava alemão e era loiro-arruivado. Um tipo bestial! e engraçado! sempre em festa, sempre afável.Era o campeão a beber whisky (acho que o pai tinha um negócio de bebidas); bebia, bebia muito. Deixou de estudar e começou a trabalhar como estivador. Tinha a força de um touro. Quando eu tinha os meus quinze, desasseis anos o Luís começou a meter-se nas drogas duras. Depois resolveu fugir da tropa. Estava nas forças especiais, naquelas que se vestem de preto, cujo regimento fica lá para Lamego (acho). Ficou em minha casa alguns meses, escondido no sótão. Depois foi pela Europa, viveu em Amesterdão e acho que também esteve em França. Regressou. Voltou à rotina da heroína. Foi encontrado numa valeta por um outro amigo da Ajuda (já lá estava há alguns dias), teve uma recuperação fugaz. Foi preso. Escrevia à minha mãe, as cartas mais lindas que ela já recebeu. Tinha uma caligrafia angelical. Não lhe podiamos mandar livros de autores com nomes russos porque podiam incitar à revolta (isto no final da década de noventa). Esteve tuberculoso. Quando saiu da prisão andou muito mal. Arrumava carros em Belém. Deixei de o ver - cheguei a ouvir rumores de que teria morrido. Soube entretanto que tinha voltado a viajar. Há cerca de um ano atrás encontrei-o: eu vinha de um encontro do partido em Alcântra, ele estava felicíssimo, morava por ali, tinha sido pai de uma menina, trabalhava num restaurante. Faz anos a 3 de Janeiro.
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